quarta-feira, 30 de abril de 2008

Aula seguinte: Início da peça!

Hoje estava muito frio. Pelo amor de Deus!
Para aquecermos, então, puxei a nossa velha seqüência e dei dois exercícios da yoga chinesa para esquentar. Funcionou!
Fiquei muito feliz com a presença maciça do povo. Se assim for, teremos uma putz peça.

Chequei as cenas que pedi na aula passada, aliás, a cena, pois só um grupo apresentou. Foi muito bom. Elaboraram uma forma de representar a cidade através de um bolo de gente tentando passar uns pelos outros, todos com pressa. Depois, todos de costas, formavam a linha do semáforo com o carro do primeiro cego ao fundo. Confusão, gritaria por ele não andar, abrem o carro e ele vira para a platéia e grita: Estou cego! (rápida pausa) Todos começam a ajudá-lo, falando ao mesmo tempo. Ele pede ajuda, um se propõe a levá-lo para casa e a cena termina.
Boa cena.

Pedi então que refizessem essa cena em dois grupos diferentes, cada um utilizando os objetos que nos propusemos ter como ferramentas da montagem. (Lenços, óculos escuro e venda branca, por enquanto)

Os resultados foram muito bons na medida que as idéias se complementavam. Pegando os bons momentos das duas improvisações, temos uma ótima cena de abertura.

A primeira seguiu o roteiro da cena antes apresentada e já descrita acima, melhorando-o. Com o acréscimo de uma narração sobre o semáforo no início e o uso da faixa nos olhos para indicar a cegueira. Também usaram o lençol como cortina no início e no fim, onde todos por trás dela tateavam-na com as mãos e o rosto e gritando juntos: Estou cego!
Destaque para a sonoridade de cidade que foi criada. Muito boa.

O segundo trouxe uma representação frontal, como as das aulas anteriores, com o carro do primeiro cego em primeiro em primeiro plano. Todos no lugar representavam, coreografados igualmente, o movimento dos carros e a freada no semáforo. Após a freada os outros atores cruzavam a cena pela frente dos carros, criando muito bem a imagem da faixa de pedestres. O primeiro cego cega, todos gritam, abrem o carro: Estou cego! O coro o cobre com o lençol enquanto gira a sua volta dizendo vários textos condizentes com a situação e, num passe de mágica, quando tiram o lençol, o primeiro cego está vendado.
Muito bom também. Principalmente a mágica e a construção do espaço.

Juntando as duas cenas, o começo já pode ser montado.
É importante salientar que essa criação só é possível quando assistimos a várias idéias e formas de realizar a cena. Por isso, as improvisações são fundamentais. Temos, pra nós, erradamente que improvisar é conseguir se virar bem em uma situação inesperada, como, por exemplo, quando o cenário cai durante a peça ou um colega esquece o texto em cena. Nesses casos, pensamos, “se improvisa”. Isso é um erro. Improvisar é estar aberto ao acaso. Experimentar uma idéia da mesma forma que um desenhista esboça um quadro. Trata-se, antes de mais nada, de uma metodologia de criação. Disso nós não podemos esquecer.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Última aula do conservatório

Bom, eu não sei o quanto vou poder executar essa tarefa a que me proponho atualmente. Esse Blog é só para manter atualizados, a princípio, os alunos do conservatório que frequentam a minha aula de interpretação.

Resumo:

No início, tivemos uma pequena introdução do pensamento teatral de Jerzy Grotowski.
Em seguida, conversamos sobre a montagem que a turma teria interesse de fazer e sugeri adaptarmos "O Ensaio sobre a Cegueira" do Saramago.
Também combinamos que a preparação seria mímica para que a cegueira, de certa forma, fosse do espectador também. Ou seja, o cenário só apareceria ao espectador quando tocado, exatamente como o são para os cegos, ons as mãos fazem as vezes dos olhos.

Isto posto começamos o processo de criação da primeira cena e, na última aula comecei com um vocabulário técnico que, me parece, é importante que todos dominem.

O objeto de nosso estudo, na aula de interpretação será a Ação e entendemos por ação tudo aquilo que, em nosso caso, for realizado em cena, numa situação de representação, com um objetivo. Há outras definições e maneiras de trabalhar, evidentemente, mas creio que, para este processo, essa é a que melhor nos serve.
Fizemos então um exercício onde se deveria escolher um movimento de ginástica e transformá-lo em cinco ações diferentes. Dado que este movimento deveria ser reconhecido e que tivesse conecção com o objetivo proposto.

Depois, escolhemos o começo do livro e discutimos a trjetória de ações do primeiro cego. Ou seja, nos perguntamos qual era seu objetivo enquanto estava no carro. Concluímos que não dava para saber, pois, no livro, não há dados que nos ajudem muito nesse sentido. Daí veio o pensamento de que, sabemos, ele saiu mais cedo do trabalho e estava indo para casa, portanto, não haviam razões para que estivesse com pressa ou irritado. Como o livro não ajudava, resolvemos criar por nossa conta, desde que não contrariássemos a continuidade da história. Então, fizemos o seguinte: Ele, tendo saído mais cedo do trabalho, pensava, de repente, em fazer uma surpresa para a esposa, preparando a casa para uma gostosa noite de amor (ou pra dar um "fincão", como foi batizado no fim).

Primeiro problema:

"Dar um Fincão" é um objetivo que implica em um sucessão enorme de pequenas ações. Seriam elas, no caso desse personagem, como nós elaboramos livremente: Comprar flores, champagne, uma comidinha especial (sujeriram sushi) para que ela não tenha que cozinhar, lingerie, halls preto, chegar mais cedo em casa, acender umas velas, preparar a casa, recebê-la, convencê-la e, enfim, "fincar".
É muita coisa! Piora ainda se pensarmos que cada uma das ações descritas acima precisam, também, para que se realize o objetivo que as definem, de outras pequenas ações. Comprar flores pressupõe ir até a floricultura, escolher as flores que melhor se adaptram à ocasião ("fincar") e pagar. Cada um desses elementos também pode ser dividido: Ir, pressupõe, por exemplo, dirigir e dirigir pressupõe colocar a chave na fechadura da porta, abrir a porta, entrar, por o cinto de segurança, por a chave no contato, ligar o carro, engatar a primeira... enfim, existem muitas subdivisões em "dar um fincão". No entanto, por exemplo, abrir o carro, pressupõe, suponhamos, pegar a chave no bolso, colocá-la na fechadura, torcê-la, pegar a maçaneta e puxá-la, abrir a porta. Todas essas pequenas ações compõe a grande ação abrir o carro. Se tentarmos subdividir a ação "pegar a chave no bolso", temos: Por a mão no bolso, abri-la, por a chave entre os dedos, fecha-la e puxa-la para fora. Com isso, é possível que essa subdivisão possa chegar ao infinito se pensarmos que antes de qualquer ação há o pensamento, uma reação bioquímica no corpo, um impulso e assim até o infinito. Por isso, é importante que estabeleçamos um limite. Quanto mais as dividirmos, mais chegaremos a pequenos pedacinhos que se qualificarão mais como movimentos do que como ações e esse é um bom critério para parar.

Essa reflexão é muito grande e, para agora, me parece por demais complicada, por isso deix0-a em suspenso por aqui.

Continuemos:

"Dar um fincão" era muito grande pra chamarmos de ação. Por isso precisamos qualificá-la como um conjunto, como uma "unidade de ação". Sendo isto um conjunto de ações com um mesmo objetivo que as conecta.

A unidade de ação termina quando o objetivo muda.

No caso do primeiro cego, isso ocorre quando no semáforo, ele, de repente, cega. A partir daí, o objetivo dele não é mais dar o fincão, mas "ver", ou, voltar a enxergar. E este objetivo, segundo conversamos muda quando ele, percebendo que está de fato cego, começa a pedir ajuda gritando "Estou cego". Por sua vez, "Estou cego" muda somente quando alguém se oferece a levá-lo ao hospital e ele prefere que seja para casa. E assim podemos e vamos trabalhar até o fim do livro.

Chegamos, depois de muito refletir a essas unidades:
Dar um fincão
Ver
Pedir socorro
Ir para casa.


Depois, todos improvizaram a cena a partir dessas unidades e debatemos sobre a diferença. Para a maioria, foi gritante a facilidade de se trabalhar com essas definições e a diferença de qualidade das cenas.

Pedi , depois de assistirmos a todos, que tentassemos dar à primeira cena, o mesmo ponto de vista que é dado no livro, ou seja, não o do primeiro cego, mas o das pessoas em volta.