quinta-feira, 26 de março de 2009

Pensar com o coração

Nossa última cena vista foi a do aborto. Creio que a atriz ficou um pouco frustrada com o tempo dedicado a explicações e correções às "respostas" de sua cena. Desculpe.
Contudo, a beleza do processo de criação do ator reside na necessidade de se pensar por inteiro. Analisar o personagem, seu ponto de vista, objetivo, passado, razões, ambiente, etc... não é um processo "mental". Tampouco "corporal", se é que ainda há quem acredite nessa dualidade. O ator pensa com o corpo tanto quanto sente com a mente. Só assim se pode entender a vida dessa figura que vamos representar. No I Ching (Livro das mutações chinês) há a frase: "O coração pensa o tempo todo." E ela nos serve como uma luva para falar desse processo. A composição é um processo dinâmico, constante. Erra-se, volta-se atrás, começa-se de novo ou, até, por milagre, se acerta na primeira sem outra explicação que não: "Não sei, rolou." Mas não conte com isso, não é a regra. Na maioria dos casos, é um mar de sofrimento e incerteza. Cego um tiroteio. E por aí vai...
Por isso, insisti nas respostas. Elas é que nos permitem entender o mundo daquele papel. Encontrar as ações físicas adequadas. Os objetivos da cena. Os estímulos que nos ajudam a realizar tudo isso. O ator pode ser tudo, menos burro. E sua inteligência deve abranger-lhe todo. Corpo, espírito e alma.
À cena, falta ainda, a descoberta dessas ações físicas que são fruto dessas respostas corretas. Daí a frase: Pensar com o coração.
Chegaremos lá.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Sobre trabalho e preguiça.

Hoje assistimos mais uma ver à cena do supermercado. Interessante de ver o esforço em mudar os apontamentos da última aula. Isso é bom. Contudo viu-se que, apesar desse esforço, não houve trabalho. No sentido artesanal da coisa mesmo. Isso é interessante. Desde que comecei com teatro, as pessoas a quem eu admirava, e continuo a admirar, diziam que o ofício do ator é similar ao do sapateiro. Por ser artesanal e requerer uma dedicação integral. É próximo sim, quando bem realizado, de uma relação religiosa com a vida. No sentido de uma busca de totalidade, de doar-se integralmente àquilo que se faz. Ao trabalho em si.
Nesse sentido a cena peca pois não há essa procura ainda. Esse fogo de investigar mais a fundo o que está por trás das ações e que ironicamente é fundamental ao que está à frente delas.
Cuidado.

Há capacidade no ator, como, aliás, na turma toda, sem dúvida (pra que ninguém diga que eu não elogio), contudo, talento não garante qualidade. Garante apenas uma espécie de facilidade invejável de alguém realizar uma atividade. Mas ele em si não é muito. O trabalho ainda é a grande força produtora e é nele que devemos confiar.
Claro que inspiração é importante e que momentos geniais acontecem. Eu sei. Mas nenhum grande artista ficou a cargo deles e, mesmo que haja havido um ou outro gênio desse gabarito, não parece confiável acreditar-se o próximo. Picasso pintava todos os dias para não ficar à mercê da inspiração. Se vier, ok. Se não... aperfeiçoei-me tecnicamente. Stanis recomenda treinos frequentes ao ator como todos os outros mestres recomendam aos seus discípulos em suas áreas.
Resumindo, é importante valorizar o trabalho e deixar o talento manifestar-se quando puder ou quiser, mas sem se deixar escravizar por ele. Esse trabalho liberta, mas, o talento, sozinho, à sua própria sorte, pode ser, com o tempo, sua pior prisão.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Links de livros do Stanis no Google Books

Não estão inteiros, mas ajudam a quem não puder comprá-los já.
Não há visualização do A Construção da Personagem. Pena.
Mas os outros dois estão lá.


http://books.google.com.br/books?ei=6H6xScfuOoOftwf7kLDEBw&ct=result&q=Konstantin+Sergueievitch+Alekseiev+Stanislavski&btnG=Pesquisar+livros

De volta.

Bom, na falta de paciência para descrever toda vez as mesmas coisas sobre nosso ofício e no intuito de informar meus alunitchos carentes e cada vez mais insistentes em ler mais de meus escritos, aí vai.

Revimos hoje a cena do Velhinho.
Peguei no pé do ator porque ele não pensou verdadeiramente no propósito de seu personagem e, depois de eu insistir, quando ele descobriu, um apegou-se a ele de tal forma que o resto da cena inteira ficou sem mudanças. Ou seja, tudo numa mesma energia. Isso é, como já disse, um problema sério, pois é necessário sempre estar aberto às transformações que surgem ao longo da cena. Cada transformação é uma nova justificativa e pressupõe, obviamente, uma mudança de propósito. Essa correlação é constante e é o que dá a mágica da cena. Ou melhor, a noção de "jogo" constante. Afinal, tudo está em constante mudança e a personagem não é excessão desse processo. Pelo contrário, é a prova cabal disso.

Muito boa composição de cena, porém a partitura de ações ainda está sem seus aspectos internos fundamentais bem resolvidos e isso tira um pouco o mérito da cena. A vontade de discutir ao invés de entender. De já saber ao contrário de aprender é o que mais mata. É de uma vaidade prejudicial, porém, confesso, até divertida pra mim. Me faz reafirmar e reformular meus pontos constantemente. Talvez eu deva gerar mais conflitos deste tipo.

De qualquer forma, a cena precisa ainda se adequar às novas mudanças que ela suscita com o mesmo rigor que trabalhamos praticamente as primeiras duas unidades de ação da cena. Tenho certeza de que há muitas mais ainda escondidas e,creio, o ator irá estudá-las com afinco para sua avaliação final.





Também houve a entrega de um trabalho atrasado. A cena do hipermercado.
Questões de visualização ainda pegam muito na cena (dificuldade, aliás, geral da parte da maioria dos alunos. Maioria, não, todos.) Por isso, é importante lembrar que a leitura dos livros do Stanis será ainda cobrada como parte da disciplina (peso 3 da nota final, creio eu) pois ela é fundamental para o entendimento dessas coisas a que me refiro constantemente e que nenhuma explicação minha será melhor que a experiência de esforçar-se para compreender a leitura. Por isso, LEIAM, porra!
Afora isso, interessante abordagem de um conflito cotidiano, porém, ainda, com pontos soltos importantes e, até, imperdoáveis. Onde? Razoável. Entendi, mas pouco detalhado quanto ao que havia à sua volta, às outras pessoas na fila, àquelas revistas, balinhas e distrações que ficam próximas aos caixas. De onde vinha, para onde ia, que horas eram... etc.(Quem não sabe onde está, não sabe como se comportar.)
Pra que? Não ficou claro. É importante que se seja rigoroso nisso, sob o risco de não se aprofundar na cena (como no caso do velhinho) e fazê-la à 60% apenas. (Quem não sabe o que quer, não sabe pra onde vai)
Por que? Mesma coisa. Motivos em geral não ajudam. É preciso justificá-los adequadamente para que haja inteireza de sua parte. (Quem não sabe por que faz, não tem motivação.)